Prevenir a doença não é simples, pois ela está ligada a fragilidades socioeconômicas
As inundações vividas no Rio Grande do Sul em maio levaram a um aumento de casos reportados de leptospirose no estado. Ela é transmitida, em especial, pela exposição direta ou indireta à urina de animais, principalmente roedores, infectados por bactérias do gênero Leptospira.
Embora enchentes facilitem a ocorrência de surtos, por propiciar a disseminação e a persistência da bactéria no ambiente, a doença ocorre com frequência no país.
Eventos como as enchentes nos levam a pensar numa conexão entre situação e risco de transmissão, mas a leptospirose é muito mais comum do que se imagina. Segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, no Brasil, entre os anos de 2000 e 2023 foi registrada uma média anual de 3650 casos da doença e 350 óbitos, o que dá uma taxa de letalidade média de 9,58%.
A título de comparação, no mesmo período, a dengue registrou uma média anual de 448 óbitos, com taxa de letalidade média de 0,6%. Nos casos mais graves de leptospirose, quando os pacientes evoluem para a Síndrome da Angústia Respiratória, as chances de morte podem ser superiores a 40%.
A falta de percepção do quanto a leptospirose é comum é gerada, entre outros fatores, pela dificuldade em diagnosticá-la. Por ter um curso agudo que causa, em sua fase inicial, febre, dores musculares e de cabeça como sintomas mais comuns, a doença pode ser confundida com uma síndrome gripal ou outras viroses, que exigem formas de tratamento completamente diferentes.
Por esta razão, recentemente, o Ministério da Saúde emitiu uma nota técnica reforçando estratégias para a suspeita de leptospirose, especialmente durante o período de chuvas.
Outro fator importante é o caráter socioeconômico da doença. No Brasil a leptospirose tem uma incidência média de 1,9 casos por 100 mil habitantes. Porém esse índice aumenta muito em caso de vulnerabilidade social.
Um trabalho de 2023 demonstrou que a incidência média foi de 4 casos por 100 mil habitantes em áreas de vulnerabilidade social em algumas regiões do RS. Essas áreas têm acesso precário a bens e serviços básicos, como saúde e informação, e as pessoas que vivem nelas são mais expostas a doenças.
Para diminuir os casos de leptospirose no país, seria preciso fomentar uma série de políticas públicas voltadas a fortalecer serviços públicos, além de medidas sanitárias e educativas.
Entre elas, está a melhoria nas condições de saneamento básico (redes de esgoto, coleta e destinação de lixo doméstico) e intensificação nas campanhas de informação sobre a doença, abordando prevenção, sintomas e riscos.
Existem também outros cuidados que podem ser tomados pela população em enchentes, tais como evitar ao máximo o contato com água ou lama e consumir água potável, filtrada, fervida ou clorada.
Após a inundação, é preciso desinfectar locais atingidos pela água com solução de hipoclorito de sódio a 2,5%. Por fim, e bastante importante, é preciso sempre usar botas e luvas de borracha nesses processos. Caso não tenha, se pode improvisar com sacos plásticos duplos amarrados nas mãos e nos pés.
Prevenir a leptospirose não é simples, pois ela está ligada à fragilidades socioeconômicas comuns a diversas regiões do país. Diante dessa ‘invisibilidade’, as autoridades de saúde pública e a população precisam se manter alerta não só em situações de enchentes.
(*) Alexandre Alberto Tonin é professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e pesquisa temas de medicina veterinária preventiva, com foco em leptospirose
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