Opinião

Opinião: Para garantir igualdade de gênero, política científica deve dialogar com política de cuidado

Leia artigo de Márcia Tait, doutora em política científica e tecnológica pela Unicamp


Márcia Tait*, via Agência Bori | 01/03/2025 | 02:30


Políticas públicas devem focar em desenvolvimento, ciência e pesquisas de soluções que considerem os aspectos de reprodução social e dos cuidados | Foto: Pixabay

A busca pela igualdade de gênero no Brasil demanda uma abordagem integrada que reconheça a interdependência entre diferentes esferas políticas. A recente aprovação da Política Nacional de Cuidados, sancionada pelo presidente Lula em dezembro de 2024, marca um avanço significativo na valorização dos trabalhos de cuidado, predominantemente realizados por mulheres.

Paralelamente, a área de ciência, tecnologia e inovação (C&T) enfrenta desafios persistentes de desigualdade de gênero e para fortalecer o desenvolvimento de tecnologias para inclusão e sustentabilidade socioambiental.

Este texto propõe a articulação entre a política de cuidados e as políticas de C&T, destacando como essa integração pode promover direitos mais equitativos para as mulheres e impulsionar a produção científica e tecnológica no país.

“Cuidado” é um conceito polissêmico. No âmbito da política recém formulada, cuidados se referem a trabalhos fundamentais para a manutenção da sociedade, feitos principalmente no âmbito doméstico e por mulheres, de forma gratuita ou remunerada — como limpeza, preparação de alimentos, gestão da casa, cuidados com crianças, idosos e dependentes e apoio emocional. Como apresentado no documento para a política, os arranjos sociais para provê-los são desiguais, injustos e insustentáveis e recaem sobre as mulheres, especialmente aquelas racializadas e de classes populares.

A sobrecarga, desvalorização e estigmatização dos trabalhos de cuidados são condicionantes e condicionadores de desigualdade socioeconômica e de gênero. Os dados oferecidos pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) mostram que as mulheres ocupam o dobro dos trabalhos em tempo parcial, a maioria dos postos com menores salários (precários e terceirizados), embora já sejam a metade das chefes de família. Outras pesquisas também mostram a sub-representação feminina em cargos políticos.

Essa relação desigual é um dos motivos que torna digna de nota a escolha inédita pelo presidente Lula em 2022 de uma mulher como Ministra da Ciência, Tecnologia e Inovações do Brasil, Luciana Santos.  É ainda mais incomum que a ministra seja, simultaneamente, engenheira e liderança política do PCdoB.

Nos estudos da ciência com enfoque de gênero são conhecidas as posições desiguais históricas entre homens e mulheres. Mulheres são maioria nos cursos de graduação e mestrado strictu sensu. Mas ainda somos minoria como bolsistas de pesquisa produtividade CNPq, um número reduzido das reitorias de universidades e minoritárias em postos de coordenação em projetos na área “desenvolvimento de tecnologias” e nas engenharias. Na América Latina, não chegam a 35% das pessoas que estudam em áreas STEM (do inglês: ciências, engenharias e matemática). Para todas as realidades científicas, a desigualdade se amplia quando considerada a participação de mulheres negras.

Como nos sinaliza a política de cuidados, elaborar ações depende de pensar na transferência de recursos e na garantia de direitos. Também passa por promover uma transformação cultural, no âmbito da ciência e educação, além de inovações para desenhar a infraestrutura da sociedade e os serviços públicos e privados.

Isso exige pesquisa, desenvolvimento, ciência e pesquisas de soluções que considerem os aspectos de reprodução social e dos cuidados, a começar, talvez pela própria universidade apoiando iniciativas como Parent in Science, que debate a parentalidade no meio científico.

Será que os planos e estratégias governamentais se transformaram com uma mulher ministra e de esquerda? Temos um direcionamento mais inclusivo ou mesmo feminista? Para avançar rumo a uma sociedade mais justa e igualitária, é imperativo que as políticas de ciência, tecnologia e inovação incorporem de forma efetiva os princípios da Política Nacional de Cuidados.

Isso implica a criação de incentivos para a participação feminina em posições de liderança e áreas STEM, o estabelecimento de programas de apoio à parentalidade no meio científico e a garantia de condições equitativas de trabalho.

Ao promover uma transformação cultural e estrutural que valorize os cuidados e a diversidade de gênero, fortaleceremos não apenas os direitos das mulheres, mas também a capacidade inovadora e o desenvolvimento sustentável do Brasil. É hora de agir de maneira propositiva, integrando cuidados e C&T como pilares fundamentais para a igualdade de gênero e o desenvolvimento nacional.

 

(*) Márcia Tait é doutora em política científica e tecnológica pela Unicamp, professora na Universidade de Valladolid e pesquisadora no Laboratório de Tecnologias e Transformações Sociais (DPCT/Unicamp)


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