Saúde

Tecnologia detecta lesões na retina antes que sintomas apareçam

Estudo da USP Ribeirão identifica sinais precoces de toxicidade ocular em pacientes que usam hidroxicloroquina, mesmo sem alterações nos exames tradicionais


Eduardo Nazaré, Jornal da USP | 11/06/2025 | 00:00


Antecipação pode previnir lesões aos olhos | Foto: Freepik

O uso prolongado da hidroxicloroquina, medicamento indicado para o tratamento de doenças autoimunes, como o lúpus eritematoso sistêmico e a artrite reumatoide, pode causar danos à retina que demoram para apresentar sintomas e não são detectados pelos exames convencionais. A constatação está em um estudo realizado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP que obteve sucesso usando uma tecnologia ainda pouco difundida no Brasil — a óptica adaptativa — para observar alterações celulares precoces na retina.

A pesquisa, conduzida pelo oftalmologista João Pedro Romero Braga durante seu doutorado, sob orientação do professor Rodrigo Jorge do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP, avaliou mulheres em uso crônico de hidroxicloroquina e sem sinais clínicos ou alterações de visão detectados nos exames considerados padrão-ouro, problemas esses revelados após a análise por óptica adaptativa, como alterações sutis na organização dos cones da retina, células fotossensíveis responsáveis pela visão em cores e detalhes.

“Detectamos que pacientes com uso prolongado de hidroxicloroquina, principalmente acima de dez anos, já apresentam graus sutis de toxicidade não detectados pelos exames convencionais”, conta o pesquisador.

O equipamento de óptica adaptativa utilizado no estudo é o único em operação na América Latina e está instalado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP). A tecnologia, garante Braga, permite corrigir as aberrações ópticas do olho humano e gerar imagens da retina com resolução comparável a de cortes histológicos, como os utilizados em análises de microscopia. O aparelho “fornece informações muito precisas sobre a densidade e o espaçamento dos cones, algo que os exames convencionais não conseguem captar”.

Além dos limites da clínica

Na pesquisa, foram incluídas 18 mulheres usuárias de hidroxicloroquina com dose acumulada superior a 1.600g, sem qualquer sinal de retinopatia nos exames tradicionais. Elas foram comparadas a 18 mulheres saudáveis, sem uso da medicação. Todas as participantes passaram por exames oftalmológicos completos, incluindo mensuração da acuidade visual, comprimento axial dos olhos, refração e dilatação da pupila.

As imagens captadas pela óptica adaptativa foram registradas em dois pontos específicos da retina. Esses locais foram escolhidos por serem os primeiros a apresentar sinais de dano na retinopatia induzida por hidroxicloroquina.

“Os resultados mostraram uma densidade significativamente menor e um espaçamento maior entre os cones na retina de usuárias da hidroxicloroquina, mesmo na ausência de sintomas clínicos ou alterações detectáveis nos exames de rotina”, relata o pesquisador, informando ainda que se preocupou em controlar variáveis que pudessem interferir nos resultados, como idade, refração ocular e comprimento axial dos olhos, garantindo maior robustez na comparação entre os grupos.

Potencial para antecipar decisões clínicas

Segundo Braga, os achados indicam que o processo de toxicidade retiniana pode começar de forma silenciosa, antes mesmo das manifestações funcionais observadas por exames clássicos. Para ele, essa é uma janela de oportunidade para intervenção precoce e prevenção de perdas irreversíveis da visão. “Sem dúvidas, esse é o principal achado do nosso estudo. Esses pacientes têm que ser monitorados de perto e adequadamente, para que alterações iniciais no campo visual sejam detectadas a tempo.”

Ainda não há comprovação de que os danos identificados possam ser revertidos. Pelo contrário: segundo o pesquisador, a toxicidade da hidroxicloroquina pode continuar progredindo mesmo após a interrupção do tratamento, o que reforça o papel do diagnóstico precoce.

Este é o primeiro estudo de caso-controle a empregar óptica adaptativa na comparação direta entre usuárias de hidroxicloroquina e controles saudáveis, o que representa um marco metodológico na área. No entanto, a incorporação da tecnologia aos protocolos clínicos ainda depende de avanços. “Estudos maiores ainda precisam ser feitos, mas acreditamos que um estudo prospectivo seria fundamental para que essa tecnologia seja incorporada às diretrizes oficiais”, destaca Braga.

Apesar dos custos e da necessidade de profissionais especializados, a óptica adaptativa pode se consolidar como uma ferramenta promissora para diversos contextos na oftalmologia. O pesquisador adianta que já há pesquisas utilizando a técnica para avaliar alterações retinianas em pacientes com diabetes e distrofias hereditárias. “O objetivo é proteger a visão desses pacientes a longo prazo, oferecendo alternativas para detectar o problema antes que ele se torne irreversível”, conclui.


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