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Primeiros casos de raiva em capivaras no litoral paulista são alerta para monitoramento do vírus

Variante achada em Ubatuba era a mesma dos morcegos-vampiros, que provavelmente se alimentaram do sangue dos roedores em momento de distúrbio no habitat


André Julião, Agência Fapesp | 17/11/2024 | 00:30


Filhote de capivara apresenta paralisia das patas traseiras poucos dias antes de morrer por encefalite causada pelo vírus da raiva, na Ilha Anchieta, litoral de São Paulo | Foto: Fundação Florestal

Três capivaras foram encontradas mortas na Ilha Anchieta, no município de Ubatuba (SP), entre dezembro de 2019 e janeiro de 2020. Duas delas apresentaram paralisia das patas traseiras antes de morrerem. Análises dos cérebros, realizadas no Instituto Pasteur, em São Paulo, determinaram a causa da morte: encefalite causada pelo vírus da raiva.

Este terceiro relato de casos de raiva em capivaras no mundo, e o segundo no Brasil, foi publicado na revista Veterinary Research Communications. O estudo, apoiado pela Fapesp, também detectou que a variante do vírus encontrada nos três animais é a mesma presente em morcegos-vampiros (Desmodus rotundus).

“Nos últimos anos, tem-se observado um aumento no número de casos relatados de raiva em animais silvestres. Isso possivelmente está relacionado a distúrbios ambientais que desequilibram o ecossistema onde vivem os morcegos”, explica Enio Mori, pesquisador do Instituto Pasteur, órgão da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, e coordenador do estudo.

Outro caso recente foi o de um gambá infectado com o vírus, encontrado morto em Campinas (leia mais).

Os casos da Ilha Anchieta, um parque estadual no município de Ubatuba, ocorreram pouco depois de uma reforma nas ruínas existentes na ilha, em 2019, quando o telhado de uma construção foi reformado e os morcegos perderam temporariamente seus abrigos.

“Em momentos como esse, há grande estresse nas colônias e muitas brigas entre os morcegos. Com isso, podem passar raiva uns aos outros, aumentando as chances de transmiti-la para os animais silvestres dos quais eles se alimentam, como as capivaras”, conta Mori, que também é professor do Programa de Pós-Graduação em Patologia Experimental e Comparada da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP).

De modo geral, o desmatamento também contribui para o aumento dos casos de raiva. A diminuição do número de animais silvestres, que servem como fonte de alimento original para os morcegos-vampiros, faz com que estes busquem outros mamíferos, como animais domésticos ou até mesmo seres humanos, para se alimentarem. Isso aumenta o risco de transmissão da raiva para novos hospedeiros.

Variantes

As capivaras mortas foram localizadas por funcionários da Fundação Florestal, responsável pela administração do Parque Estadual da Ilha Anchieta. Amostras de seus cérebros foram enviadas ao Instituto Pasteur, que integra uma rede de laboratórios que realizam diagnósticos para vigilância epidemiológica da raiva, utilizando material enviado pelos centros de controle de zoonoses dos municípios.

Primeiro, como prova de triagem, os pesquisadores e técnicos realizaram a detecção de antígenos para o vírus da raiva no tecido cerebral. Os três casos apresentaram resultado positivo para a raiva.

Em seguida, o isolamento do vírus foi realizado como teste confirmatório. Uma das amostras estava muito deteriorada, o que impediu a realização desse exame, mas o genoma da partícula viral pôde ser sequenciado. Todas as amostras confirmaram a presença da mesma variante encontrada em morcegos-vampiros, indicando uma provável transmissão pela mordedura.

O único outro caso de raiva em capivaras no Brasil foi publicado em 1985. No mundo, outro caso só foi relatado no norte da Argentina, em 2009. Apenas no estudo atual foi feita a tipificação da variante viral encontrada.

Não existem relatos de casos de raiva humana transmitida por capivaras. No entanto, acidentes em que pessoas foram mordidas por esses animais geralmente causam grandes lesões. Ainda não se sabe se a saliva das capivaras contém o vírus, como ocorre com os morcegos, que são reservatórios do patógeno.

“Por isso, a vigilância epidemiológica precisa continuar para entender o papel das capivaras no ciclo do vírus, por exemplo. É bem possível que elas sejam hospedeiros finais, que morrem sem transmitir o vírus para outros animais. Mas, para confirmar isso, precisamos de novos estudos”, atesta o pesquisador.

O artigo Rabies in free-ranging capybaras (Hydrochoerus hydrochaeris) on Anchieta Island, Ubatuba, Brazil pode ser lido clicando aqui.


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