Nacional

Quase 30% dos restaurantes do iFood são dark kitchens, mostra estudo

Sistema de cozinhas exclusivas para delivery é alvo de estudo em cidades paulistas


Julia Moióli, Agência Fapesp | 29/05/2023 | 14:20


Estabelecimentos têm como características ficarem em áreas mais distantes dos centros urbanos e comercializarem especialmente comida brasileira | Foto: Divulgação

Aproximadamente um terço dos restaurantes listados no iFood, aplicativo de entrega de comida mais utilizado pelos brasileiros, são dark kitchens, de acordo com um estudo inédito no país – e um dos poucos já realizados no mundo – sobre as cozinhas exclusivas para delivery, que ganharam força durante a pandemia de Covid-19.

Além da ausência de instalações para consumo no local, esses estabelecimentos apresentam ainda outras características próprias: estão localizados em áreas mais distantes dos centros urbanos, comercializam especialmente comida brasileira, lanches e sobremesas e são mais baratos do que restaurantes convencionais. Essas e outras conclusões foram apresentadas por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em artigo publicado na revista Food Research International.

Para identificar e caracterizar as dark kitchens no aplicativo, a coleta de dados foi realizada em duas etapas. Na primeira, por meio de mineração de dados, foram obtidos nome, URL endereço e CNPJ (cadastro nacional de empresas) de 22.520 restaurantes de três centros urbanos (Limeira, Campinas e São Paulo), bem como sua distância linear até o centro da cidade, tempo estimado de entrega, avaliação dos usuários, tipo de comida oferecida, possibilidade de agendamento de entregas e rastreamento da localização do pedido.

Na segunda, os primeiros mil estabelecimentos localizados a partir do centro de cada cidade foram classificados como dark kitchens (727, ou seja, 27,1%), standard ou restaurantes-padrão (1.749 ou 65,2%) ou indefinidos (206 ou 7,7%), sobre os quais não foram obtidas informações suficientes ou cujos endereços apontavam para lugares inexistentes, como terrenos. Na capital, o número de dark kitchens é ainda mais alto: 35,4%.

“Acreditamos, no entanto, que esse número seja maior, já que a plataforma não exige posicionamento dos restaurantes nem identifica a informação para o consumidor, fazendo com que, em diversos casos, não tenhamos conseguido dados suficientes para bater o martelo”, afirma Diogo Thimoteo da Cunha, professor do curso de nutrição, pesquisador do Laboratório Multidisciplinar em Alimentos e Saúde (LabMAS) da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp (FCA-Unicamp) e coordenador da pesquisa.

“Tanto que precisamos realizar também um trabalho investigativo, buscando informações em redes sociais e no Google Street View, telefonando e enviando mensagens e até visitando lugares para observar fachadas.”

“Também pudemos constatar que, nas três cidades, as dark kitchens ficam mais distantes das regiões centrais, o que barateia custos de produção e leva a preços mais baixos, diferentemente de um restaurante bem localizado, que precisa investir em fachada e outros serviços”, completa Mariana Piton Hakim, pesquisadora do LabMAS e primeira autora do trabalho.

“Por outro lado, em São Paulo, observamos que os restaurantes convencionais apresentavam número de estrelas [avaliação de usuários] superior, além de contarem com mais avaliações nas três cidades, o que pode estar relacionado ao menor volume de venda das dark kitchens e ao fato de que restaurantes convencionais geralmente são mais conhecidos.”

Outros dados extraídos da pesquisa, financiada pela Fapesp, foram os tipos de comida mais servidos pelas dark kitchens (na capital, culinária brasileira, em 30,3% dos casos; enquanto nas cidades menores, lanches e sobremesas, em 34,7% dos casos) e seus modelos de organização: independente (cozinhas alugadas por uma marca exclusivamente para uso próprio, podendo ou não ter fachada); shell ou hub (compartilhada por mais de uma cozinha/restaurante); franquia (com mais de um ponto de venda, redes sociais bem estabelecidas e podendo estar presente em diferentes cidades); cozinha virtual em um restaurante-padrão com menu diferente (instalada no mesmo endereço de um restaurante físico, mas com nome e serviço diferentes); cozinha virtual em um restaurante-padrão com menu semelhante, mas nome diferente (montada no mesmo endereço de um restaurante físico, com mesmo tipo de cardápio, mas com nome diferente); e doméstica (localizadas em prédios residenciais ou casas).

Percepção do consumidor e questões sanitárias

Embora as dark kitchens apareçam com frequência nos noticiários pelas brigas com vizinhos por conta do barulho, mau cheiro e trânsito de motoqueiros em suas redondezas residenciais, os pesquisadores levantam ainda outra questão a ser esclarecida: suas condições higiênico-sanitárias.

“Percebemos que esse modelo de restaurante parece estar às margens das legislações – não porque seja ilegal em si, mas porque ninguém nunca se debruçou para entender direito como o setor funciona e como pode ser aprimorado”, diz Cunha. “Não queremos dificultar seu trabalho, inclusive porque sabemos que traz recursos e é uma tendência que veio pra ficar, mas entender seu impacto na economia e também viabilizá-lo de forma legal para que possa ser acessado adequadamente pela vigilância sanitária, que hoje tem dificuldades em fiscalizar cozinhas domésticas, fortalecendo o setor e trazendo proteção ao consumidor.”

Esse deve ser o foco dos próximos estudos do grupo, que pretende, ainda este ano, visitar dark kitchens para observar de perto seu funcionamento, qualidades e defeitos e entender a percepção do produtor. A expectativa é de que serão constatadas falhas sanitárias nos casos de cozinhas domésticas, como presença de animais e famílias, bem como geladeiras de uso único, mas também exemplos de como driblar essas fraquezas e trazer potenciais sugestões para o setor.

Os pesquisadores lembram ainda que a situação é agravada pelo fato de o consumidor não entender exatamente o conceito de dark kitchen e desconhecer eventuais riscos para o alimento e para sua família, de acordo com um estudo anterior do grupo, divulgado na revista Food Research International.

“A percepção dos consumidores é ambígua: ao mesmo tempo em que acreditam que uma refeição pedida pelo iFood traga uma certa chancela de proteção, não consideram que o aplicativo tenha responsabilidade pela segurança do alimento”, diz Hakim.

O estudo está sendo realizado em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), além de duas instituições de ensino internacionais (universidades de Central Lancashire, no Reino Unido, e Gdansk, na Polônia), o que permitirá a comparação do setor em diferentes países.

Procurado pela reportagem, o iFood enviou o seguinte comentário por meio de sua assessoria de imprensa: "O iFood reitera que a pesquisa considerou menos de 1% da base de dados de parceiros ativos cadastrados na plataforma, que hoje mantém relação comercial com mais de 300 mil restaurantes em todo o Brasil. Reforçamos que todo nosso ecossistema, que envolve entregadores, clientes, setor público e restaurantes, tenha sempre uma relação de transparência e por isso mesmo  exige, em contrato, que os seus parceiros cumpram todos os requisitos legais necessários para a operação, independentemente da escolha por estabelecimentos com salão ou apenas delivery, cumprindo a legislação fiscal, sanitária e urbanística, conforme estabelecidos pelo Poder Público, que é também responsável pela fiscalização".

O artigo Exploring dark kitchens in Brazilian urban centres: A study of delivery-only restaurants with food delivery apps pode ser lido clicando aqui.

 


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