Especialista afirma que médicos têm de trabalhar com hipótese de a doença se alastrar no Brasil
O coronavírus teve mais de 1.800 mortos e 72 mil infectados na China desde que surgiu pela primeira vez na cidade de Wuhan, no final de 2019. Com a disseminação rápida das notícias e novos casos suspeitos ao redor do mundo, muitas informações desencontradas surgem, confundindo e criando pânico na população.
A suspeita do governo de Minas Gerais de um paciente infectado, posteriormente descartada pelo Ministério da Saúde, foi um dos exemplos nesse sentido. Neste momento, portanto, é importante que os médicos e demais profissionais de saúde estejam atentos aos procedimentos que têm de adotar diante da ameaça de uma nova epidemia.
A médica infectologista e pesquisadora da Escola Paulista de Medicina/Unifesp Nancy Junqueira Bellei aponta que a principal premissa em situações desse tipo é a transparência. “Quem fornece informações tem de se certificar dos dados para não gerar confusão. Há uma tendência de a população e dos pacientes entrarem em pânico. E se eles percebem que as informações não são transparentes, os profissionais e gestores de saúde perdem o apoio da população nas intervenções que propõem.”
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A especialista, doutora em doenças infecciosas e parasitárias pela EPM/Unifesp, aponta que ainda não é possível determinar se haverá ou não uma epidemia no Brasil, mas que os médicos têm de trabalhar com a possibilidade de que ela exista.
Assim, é necessário que haja colaboração entre profissionais da saúde e população. “Como disse: as informações têm de ser transparentes, certificadas e adequadas. O que não se sabe ainda também tem de ser mostrado.”
Nancy aponta que também houve muito avanço para os médicos poderem fazer o controle e o diagnóstico agora. “Todos os pesquisadores receberam protocolos de detecção do novo coronavírus. Qualquer um pode fazê-lo.” Ela explica que esse é um grande avanço em relação à época da SARS, outro coronavírus que afetou humanos em 2002.
Também a evolução do diagnóstico de outros vírus respiratórios é benéfica. Os médicos podem excluir as hipóteses dos outros vírus mais comuns e depois mandar o suspeito a um laboratório, descobrindo rapidamente se é um caso de coronavírus ou não. Foi possível, ela explica, aprender com os erros e acertos de casos como a SARS ou a gripe H1N1 (erroneamente chamada à época de gripe suína).
Essas situações fizeram com que seja mais fácil a orientação aos profissionais. “Tendo aquela vivência, agora os médicos sabem que têm de usar equipamentos de proteção individual enquanto não sabem como funciona o vírus, além de manter o paciente isolado, e que é necessário oxigenioterapia se há falta de ar, etc”, aponta.
Para Nancy, é momento também de reforçar para os cidadãos que não entrem em pânico: “Não é necessário ir a um pronto-socorro por uma tosse se esteve, por exemplo, nos Estados Unidos e pegou um voo com alguém que veio da China”.
Também é fundamental que os médicos reflitam se um viajante internacional realmente necessita das medidas de precaução que o coronavírus exigiria. “É importante não tomar medidas desnecessárias para que não se sobrecarregue o sistema de saúde, pois também vamos entrar na época de nossas epidemias nacionais. Se for necessário isolar um paciente, ter um profissional só para lidar com ele, isso impactará no sistema e economicamente”, completa.
O VÍRUS
“Como funciona a detecção: a gente sequencia o material genético do vírus e compara com sequências que são depositadas em bancos genômicos – sites disponíveis para pesquisadores, médicos, universidades etc. Esse é um vírus novo na espécie humana. Poderia estar circulando na espécie animal? Sim. Mas, se não infectou humanos antes, chamamos de novo”, explica Nancy.
Segundo a infectologista, após a análise da sequência genética do vírus, os virologistas buscam, no banco genômico, animais específicos que são afetados pelo coronavírus. Com as técnicas disponíveis hoje, todo esse processo é feito rapidamente, em até três horas.
“Detectaram que esse novo vírus tem algumas semelhanças com vírus de morcegos. Como era o vírus da SARS, que não circula mais na espécie humana. Naquela ocasião, houve um hospedeiro intermediário que foi um felino. Mas esse não é um vírus exatamente igual aos que se encontram nos morcegos. Parece que há combinação com um coronavírus de outro animal, que ainda não se sabe qual é”, detalha a especialista.
Atualmente, considerando os humanos, existem quatro espécies de coronavírus que causam resfriados comuns. Esse novo coronavírus pode causar pneumonia, assim como o antigo SARS e o MERS, um outro coronavírus, mais restrito ao Oriente Médio e de transmissão mais difícil.
Por outro lado, o novo coronavírus parece – segundo Nancy – menos grave do que os SARS e MERS. “A semelhança entre eles todos é que os pacientes mais graves parecem ser os mais velhos, com 40 anos ou mais, e/ou que apresentem comorbidades.”
TRATAMENTO
“Não há tratamento para coronavírus. Existem alguns testes com o inibidor Remdesivir e estudos clínicos feitos com pacientes com o MERS, mas não é possível dizer se pode usar a mesma droga agora. Há projetos de vacina em andamento desde a época da SARS, mas não há expectativa de uma vacina, por exemplo, para o próximo mês, tempo suficiente para o vírus se espalhar por todo o mundo”, diz a pesquisadora. Nancy explica que ainda não se sabe muitas informações importantes como o tempo e a facilidade de transmissão e que esses dados ainda vão surgir aos poucos.
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