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Exclusivo: Órgão da ditadura espionou rádio Difusora nos anos 80, mostram documentos do Arquivo Nacional

Em ao menos duas vezes, SNI, braço de espionagem do regime militar, fez dossiês sobre a emissora mais tradicional da cidade


Da Redação | 28/05/2020 | 10:28


Documentos confidenciais mostram que SNI monitorou Difusora Batatais durante regime militar | Foto: Reprodução

Documentos obtidos pelo Batatais 24h mostram que a rádio Difusora Batatais, a mais tradicional da cidade, fundada em 1947, foi monitorada pelo SNI (Sistema Nacional de Informações), o braço de espionagem que abasteceu a ditadura militar de informações nos 21 anos de duração do regime (1964-1985).

Em ao menos duas oportunidades, nas décadas de 70 e 80, informantes da ditadura registraram dados sobre a emissora, incluindo em uma delas quadro de funcionários e, em outra, relatando ao governo uma entrevista concedida por um ex-deputado.

Conforme os documentos guardados no Arquivo Nacional, no dia 6 de março de 1984 o ex-deputado federal João Cunha concedeu uma entrevista à Difusora em que tratou de assuntos variados, como a possibilidade de ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional, que definia crimes contra a ordem política e social. A lei era vista por organismos como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) como instrumento que limitava as garantias individuais e o regime democrático --Cunha é formado em direito e era parlamentar oposicionista ao regime.

Com um carimbo de confidencial, o documento, que recebeu o número 788 e era composto por três páginas datilografadas, narra que o ex-deputado afirmou, por exemplo, que a pretensão do governo de João Batista Figueiredo (1918-1999) era enquadrá-lo na lei, mas recuou por entender que ele tinha razão.

“Às vezes perguntam ‘o que o deputado João Cunha fez para Batatais’? Eu posso dizer que ajudei a eleger o prefeito de Batatais, vereadores de Batatais, ora, eu não sou o deputado para fazer ruas, para fazer avenidas, para construir prédios. Eu sou o deputado comprometido com as ideias da liberdade, da Justiça, da paz. E nessa luta eu dei um esbarrão novamente no regime”, disse o parlamentar em trecho da entrevista.

Ele ainda fez outras afirmações, como a de que “agora que nós vamos votar a emenda que restabelece as eleições diretas para presidente da República que perceberam que não dá mais, não há mais espaço para a violência”.

A eleição, porém, não foi restabelecida naquele ano, já que a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) chamada Emenda Dante de Oliveira (nome do deputado que a propôs) foi rejeitada no mês seguinte à entrevista de Cunha aos microfones da Difusora. Eram necessários os votos de 320 deputados, mas o movimento das Diretas Já obteve 298 votos a favor (com 65 votos contra, 3 abstenções e 113 ausências).

Dezesseis dias após a entrevista, sua transcrição estava protocolada na agência de São Paulo do SNI, vinculado à presidência da República. O SNI foi concebido pelo general Golbery do Couto e Silva (1911-1987) em junho de 1964, dois meses após o início da ditadura militar, e tornou-se o principal órgão de espionagem do regime.

Braços do sistema foram implantados em ministério e empresas públicas e estatais, para vigilância política permanente, e havia instâncias regionalizadas.

O documento não é o único envolvendo a Difusora no período da ditadura militar. A emissora de rádio aparece ainda com sua ficha cadastral completa em outro documento do Arquivo Nacional de 1974, que lista veículos de comunicação, como rádios, jornais e editoras, em operação em junho daquele ano. Na época, a Difusora existia havia 27 anos --em 2020, ela completará 73.

Estão ali a ficha completa da emissora, com dados como o antigo endereço (rua Coronel Joaquim Alves, 240), o nome do então diretor, João Fernandes Molina, o telefone (apenas 2505, antes da adoção do prefixo 3761) e quadro de funcionários (10 à época).

Esses dados, é importante lembrar, foram coletados e transmitidos numa época em que não existia internet, não havia telefones celulares, telefones fixos não haviam sido popularizados e até mesmo gravadores não eram objetos de uso cotidiano da população, o que significa que detalhes da entrevista podem ter sido repassados ao órgão da repressão por um informante que existia em Batatais ou algum agente que acompanhava os passos do ex-deputado federal.

Autor da entrevista, o jornalista e radialista Osvaldo Batista de Toledo, hoje um dos sócios da emissora, disse que ela foi concedida a ele na antiga pizzaria Aquarius (rua Santos Dumont), num evento político em que estavam presentes vereadores e o ex-prefeito Geraldo Marinheiro, que governou a cidade entre 1983 e 1988 e de janeiro a abril de 1993, quando morreu vítima de câncer. O local, inaugurado no ano anterior, era um dos restaurantes badalados da cidade naquela década.

“A cidade e o país na época viviam uma divisão política muito forte, com o PMDB, que era oposição à ditadura, de um lado e o PDS, que surgiu da Arena [partido do regime militar] de outro. Acredito que o informante era alguém de Batatais mesmo, dados os detalhes narrados”, afirmou.

Ele também disse acreditar que o foco da espionagem em 1984 era o ex-deputado de Ribeirão Preto.

Formado em direito pela Unaerp (Universidade de Ribeirão Preto), João Cunha, 80, foi deputado federal em quatro mandatos, entre 1975 e 1991, sempre pelo PMDB. Quando teve sua entrevista à Difusora relatada pelo SNI ao governo, estava em seu segundo mandato e pertencia à comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.

O SNI era comandado pelo general do Exército Otávio Aguiar de Medeiros (1922-2005), que chefiou o órgão da ditadura entre 1978 e 1985 e o deixou para dirigir o Comando Militar da Amazônia. Em sua gestão à frente do serviço de inteligência foram registrados fatos importantes na história política brasileira, como o atentado do Riocentro, em 1981.

MAS O QUE FAZIA O SNI?

Grampos telefônicos, censura de correspondências e cooperação com organismos internacionais como a norte-americana CIA estão entre as atividades desenvolvidas pelo SNI.

Não se sabe a extensão exata dos documentos produzidos pelo órgão nos 21 anos de ditadura, já que muitos deles desapareceram após o serviço ter sido desmantelado pelo governo, já sem a bandeira do regime militar.

Era um órgão que funcionava como uma espécie de assessoria política, que agia em silêncio, na chamada “calada da noite”, para abastecer a ditadura das informações que ela precisasse.

Golbery foi seu primeiro comandante, mas dois ex-presidentes estiveram à frente do órgão: Emílio Garrastazu Médici, entre março de 1967 e março de 1969, e Figueiredo, entre março de 1974 e junho de 1978.

Ela foi extinta pelo ex-presidente Fernando Collor, o primeiro eleito por voto direto, logo em seu primeiro ano de governo, em 1990, criando em seu lugar o Departamento de Inteligência da Secretaria de Assuntos Estratégicos.

Nove anos depois surgiu a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), criada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e que está em ação até hoje.

 

Confira abaixo a reprodução da íntegra do documento:

Foto: Reprodução
Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

 

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